quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Educação do olhar

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu.
O educador diz: “Veja!” – e, ao falar, aponta.
O aluno olha na direção apontada e vê o que nunca viu.
Seu mundo se expande.
Ele fica mais rico interiormente...
E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos.
Já li muitos livros sobre psicologia da educação, sociologia da educação, filosofia da educação – mas, por mais que me esforce, não consigo me lembrar de qualquer referência à educação do olhar ou à importância do olhar na educação, em qualquer deles.
A primeira tarefa da educação é ensinar a ver...
É através dos olhos que as crianças tomam contato com a beleza e o fascínio do mundo...
Os olhos têm de ser educados para que nossa alegria aumente.
A educação se divide em duas partes: educação das habilidades e educação das sensibilidades...
Sem a educação das sensibilidades, todas as habilidades são tolas e sem sentido.
Os conhecimentos nos dão meios para viver.
A sabedoria nos dá razões para viver.
Quero ensinar as crianças.
Elas ainda têm olhos encantados.
Seus olhos são dotados daquela qualidade que, para os gregos, era o início do pensamento:... A capacidade de se assombrar diante do banal.
Para as crianças, tudo é espantoso: um ovo, uma minhoca, uma concha de caramujo, o vôo dos urubus, os pulos dos gafanhotos, uma pipa no céu, um pião na terra.
Coisas que os eruditos não vêem.
Na escola eu aprendi complicadas classificações botânicas, taxonomias, nomes latinos – mas esqueci.
Mas nenhum professor jamais chamou a minha atenção para a beleza de uma árvore... ou para o curioso das simetrias das folhas.
Parece que, naquele tempo, as escolas estavam mais preocupadas em fazer com que os alunos decorassem palavras que com a realidade para a qual elas apontam.
As palavras só têm sentido se nos ajudam a ver o mundo melhor.
Aprendemos palavras para melhorar os olhos. Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem...
O ato de ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido.
Quando a gente abre os olhos, abrem-se as janelas do corpo, e o mundo aparece refletido dentro da gente. Jardins bonitos há muitos, mas só traz alegria o jardim que nascer dentro da gente. São as crianças que, sem falar, nos ensinam as razões para viver.
Elas não têm saberes a transmitir. No entanto, elas sabem o essencial da vida.
Quem não muda sua maneira adulta de ver e sentir e não se torna como criança jamais será sábio.
As crianças não têm idéias religiosas, mas têm experiências místicas.
Experiência mística não é ver seres de um outro mundo.
É ver este mundo iluminado pela beleza.”

Rubem Alves.

2 comentários:

  1. Olá, bom dia Zélia! Vim fazer uma visita e elogiar o texto, muito bom! Abraços

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  2. Zélia,

    Tão perfeito esse texto e tão real...se as crianças fossem educadas e ensinadas a conhecer a beleza da natureza e enxergar tudo e todos com os olhos do coração, quando adultos certamente seriam pessoas mais sensíveis, mais realizadas e mais felizes...tenho profundo respeito e admiração por Rubem Alves, há algum tempo ele tem me ensinado a "viver" com suas palavras sempre impregnadas de grande sabedoria. Eu o conheci pessoalmente em março desse ano e pude sentir de perto a boa energia que ele traduz em seus livros.

    Adorei sua postagem, seu blog todo tem uma energia muito boa!

    um beijo carinhoso pra vc e obrigada pela visita no meu blog!

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