terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sobre Deus – Rubem Alves

Alguém disse que gosta das coisas que escrevo, mas não gosta do que penso sobre Deus. Não se aflijam. Nossos pensamentos sobre Deus não fazem a menor diferença. Nós nos afligimos com o que os outros pensam sobre nós. Pois que lhes digo que Deus não dá a mínima. Ele é como uma fonte de água cristalina. Através dos séculos os homens têm sujado essa fonte com seus malcheirosos excrementos intelectuais. Disseram que ele tem uma câmara de torturas chamada inferno onde coloca aqueles que lhe desobedecem, por toda a eternidade, e ri de felicidade contemplando o sofrimento sem remédio dos infelizes.
Disseram que ele tem prazer em ver o sofrimento dos homens, tanto assim que os homens, com medo, fazem as mais absurdas promessas de sofrimento e autoflagelação para obter o seu favor. Disseram que ele se compraz em ouvir repetições sem fim de rezas, como se ele tivesse memória fraca e a reza precisasse ser repetida constantemente para que ele não se esqueça. Em nome de Deus os que se julgavam possuidores das idéias certas fizeram morrer nas fogueiras milhares de pessoas.
Mas a fonte de água cristalina ignora as indignidades que os homens lhe fizeram. Continua a jorrar água cristalina, indiferente àquilo que os homens pensam dela. Você conhece a estória do galo que cantava para fazer nascer o sol? Pois havia um galo que julgava que o sol nascia porque ele cantava. Toda madrugada batia as asas e proclamava para todas as aves do galinheiro: “Vou cantar para fazer o sol nascer”. Ato contínuo subia no poleiro, cantava e ficava esperando. Aí o sol nascia. E ele então, orgulhos, disse: “Eu não disse?”. Aconteceu, entretanto, que num belo dia o galo dormiu demais, perdeu a hora. E quando ele acordou com as risadas das aves, o sol estava brilhando no céu. Foi então que ele aprendeu que o sol nascia de qualquer forma, quer ele cantasse, que não cantasse. A partir desse dia ele começou a dormir em paz, livre da terrível responsabilidade de fazer o sol nascer.
Pois é assim com Deus. Pelo menos é assim que Jesus o descreve. Deus faz o sol nascer sobre maus e bons, e a sua chuva descer sobre justos e injustos. Assim não fiquem aflitos com minhas idéias. Se eu canto não é para fazer nascer o sol. É porque sei que o sol vai nascer independentemente do meu canto. E nem se preocupem com suas idéias. Nossas idéias sobre Deus não fazem a mínima diferença para Ele. Fazem, sim, diferença para nós. Pessoas que tem idéias terríveis sobre Deus não conseguem dormir direito, são mais suscetíveis de ter infartos e são intolerantes. Pessoas que têm idéias mansas sobre Deus dormem melhor, o coração bate tranqüilo e são tolerantes.
Fui ver o mar. Gosto do mar quando a praia está vazia da perturbação humana, Nas tardes, de manhã cedo. A areia lisa, as ondas que quebram sem parar, a espuma, o horizonte sem fim. Que grande mistério é o mar! Que cenários fantásticos estão no seu fundo, longe dos olhos! Para sempre incognoscível! Pense no mar como uma metáfora de Deus. Se tiver dificuldades leia a Cecília Meireles, Mar Absoluto. Faz tempo que, para pensar sobre Deus, eu não leio teólogos; leio os poetas. Pense em Deus como um oceano de vida e bondade que nos cerca. Romain Rolland descrevia seu sentimento religioso como um “sentimento religioso”. Mas o mar, cheio de vida, é incontrolável. Algumas pessoas têm a ilusão que é possível engarrafar Deus. Quem tem Deus engarrafado tem o poder. Como na estória de Aladim e a lâmpada mágica. Nesse Deus eu não acredito. Não tenho respeito por um Deus que se deixa engarrafar. Prefiro o mistério do mar… Algumas pessoas não gostam do que penso sobre Deus porque elas deixam de acreditar que suas garrafas religiosas contenham Deus…

6 comentários:

  1. Belíssimo esse texto de Rubem Alves.. e fantástica a analogia feita.

    Beijocas em seu coração Zélia!

    *verinha*

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  2. Olá! Adorei teu blog e estou te seguindo, caso queira seguir-me também, veja:http://asvozesdomar.blogspot.com/

    Paz e amor!

    Abç!

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  3. Zéliamiga

    Primeiro que tudo, muito obrigado pela tua visita e por te teres tornado minha (per)seguidora. Bem hajas.

    Depois, bem, depois tenho de te felicitar pelo blogue e por teres tido a magnífica ideia de publicar este excelente texto do Rubem Alves - que, confesso, não conhecia, mas vou tentar saber mais dele.

    Costumo dizer que fui católico, mas... curei-me. Esta temática fala-me, por conseguinte, á sensibilidade e às convicções. «Não tenho respeito por um Deus que se deixa engarrafar» é genial.

    E as pessoas «que deixam de acreditar que suas garrafas religiosas contenham Deus...» é, também, uma obra prima.

    Voltarei aqui ao teu blogue, ainda que não prometa quando. Tento sempre cumprira as promessas que faço; mas...

    Agora, quero comentários lá na Travessa. É uma O=R=D=E=M.... Hahahahaha

    E ainda tens tempo de responder ao PASSATEMPO/CONCURSO. Sempre podes ganhar um bem precioso: um livro.

    Qjs = queijinhos = beijinhos

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  4. Gostei do seu blog, bem montado, lindo e informativo.
    Obrigada por me seguir... Seguindo vc tb amiga!

    bjss!

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  5. Gostei do seu cantinho...te sigo beijosss

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  6. Rubem Alves maravilhoso como sempre!Ele sempre foi meu idolo, e ainda sonho um dia poder conhecer ele, conversar, pois antes mesmo de conhece-lo já conhecia, pois quando por muitas vezes até eu mesmo achei que minhas ideias estavam erradas, mais tarde fui descobrir com ele que as minhas ideias estavam certas o que estava errado era as pessoas em minha volta que discordavam delas.
    Fique com um grande beijo sabor lua, um forte abraço sabor sol e uma intensa chuva de estrelas abor felicidades!

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