terça-feira, 21 de junho de 2011

Dos ficantes aos namoridos...

Se você é deste século, já sabe que há duas tribos que definem o que é um relacionamento moderno.
Uma é a tribo dos ficantes. O ficante é o cara que te namora por duas horas numa festa, se não tiver se inscrito no campeonato “Quem pega mais numa única noite”, quando então ele será seu ficante por bem menos tempo — dois minutos — e irá à procura de outra para bater o próprio recorde. É natural que garotos e garotas queiram conhecer pessoas, ter uma história, um romance, uma ficada, duas ficadas, três ficadas, quatro ficadas... Esquece, não acho natural coisa nenhuma. Considero um desperdício de energia.
Pegar sete caras. Pegar nove “mina”. A gente está falando de quê, de catadores de lixo? Pegar, pega-se uma caneta, um táxi, uma gripe. Não pessoas. Pegue-e-leve, pegue-e-largue, pegueeuse, pegue-e-chute, pegue-e-conte-para-os-amigos.
Pegar, cá pra nós, é um verbo meio cafajeste. Em vez de pegar, poderíamos adotar algum outro verbo menos frio. Porque, quando duas bocas se unem, nada é assim tão frio, na maioria das vezes esse “não estou nem aí” é jogo de cena. Vão todos para a balada fingindo que deixaram o coração em casa, mas deixaram nada. Deixaram a personalidade em casa, isso sim.
No entanto, quem pode contra o avanço (???) dos costumes e contra a vulgarização do vocabulário? Falando nisso, a segunda tribo a que me referia é a dos namoridos, a palavra mais medonha que já inventaram. Trata-se de um homem híbrido, transgênico.
Em tese, ele vale mais do que um namorado e menos que um marido. Assim que a relação começa, juntam-se os trapos e parte-se para um casamento informal, sem papel passado, sem compromisso de estabilidade, sem planos de uma velhice compartilhada — namoridos não foram escolhidos para serem parceiros de artrite, reumatismo e pressão alta, era só o que faltava.
Pois então. A idéia é boa e prática. Só que o índice de príncipes e princesas virando sapo é alta, não se evita o tédio conjugal (comum a qualquer tipo de acasalamento sob o mesmo teto) e pula-se uma etapa quentíssima, a melhor que há.
Trata-se do namoro, alguns já ouviram falar. É quando cada um mora na sua casa e tem rotinas distintas e poucos horários para se encontrar, e esse pouco ganha a importância de uma celebração.
Namoro é quando não se tem certeza absoluta de nada, a cada dia um segredo é revelado, brotam informações novas de onde menos se espera. De manhã, um silêncio inquietante. À tarde, um mal-entendido. À noite, um torpedo reconciliador e uma declaração de amor.
Namoro é teste, é amostra, é ensaio, e por isso a dedicação é intensa, a sedução é ininterrupta, os minutos são contados, os meses são comemorados, a vontade de surpreender não cessa — e é a única relação que dá o devido espaço para a saudade, que é fermento e afrodisíaco. Depois de passar os dias se vendo só de vez em quando, viajar para um fim de semana juntos vira o céu na Terra: nunca uma sexta-feira nasce tão aguardada, nunca uma segunda-feira é enfrentada com tanta leveza.
Namoro é como o disco “Sgt. Peppers”, dos Beatles: parece antigo e, no entanto, não há nada mais novo e revolucionário. O poeta Carlos Drummond de Andrade também é de outro tempo e é para sempre. É ele quem encerra esta crônica, dando-nos uma ordem para a vida: “Cumpra sua obrigação de namorar, sob pena de viver apenas na aparência. De ser o seu cadáver itinerante".

Martha Medeiros

6 comentários:

  1. Adorei a escolha do texto! Martha Medeiros faz ecoar tudo o que já havia escrito e pensado sobre o tema e gostei de saber que há quem já notou a descartabilidade do ser humano nas relações designadas por "ficar". É um consumo desenfreado de bocas que se beijam sem qualquer ligação afetiva...

    Beijos!

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  2. Gostei do jeito jovem do texto, um tesouro à juventude. Um abraço, Yayá.

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  3. Também achei muito bom e oportuno o texto. Como se está banalizando o namoro...nos dias de hoje; tipo "quantas bocas eu beijei hoje na balada", enfim, o romantismo está acabando.É triste!
    Abraços.

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  4. Que delícia esse texto.
    Também acho namoridos um horror...rs.E ficantes, então, que coisa triste!

    Acho que estou sobrando no século XXI.

    Beijos, Zélia.

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  5. Bem, eu tenho quase 50 anos, e algumas coisas me surpreendem, é o "ficar", assim sem mais nem menos na Balada, tenho nojo de desconhecidos, e fico estarrecida quando meu filho mais velho de 27 anos, chega contando que beijou 3 desconhecidas na mesma noite, kkkkkkk. Por outro lado, gosto de coisas que deixariam a juventude estarrecidas. Seu texto é muito bom, e foi um prazer vir até aqui.

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  6. Não posso deixar de agradecer o seu apoio no meu post Plágio, muito obrigada!

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