sábado, 30 de julho de 2011

Alegria de ser...

- Olhar-se ao espelho e dizer-se deslumbrada:
Como sou misteriosa. Sou tão delicada e forte.
E a curva dos lábios manteve a inocência.
- Não há homem ou mulher que por acaso não se tenha olhado ao espelho e se surpreendido consigo próprio. Por uma fração de segundo a gente se vê como a um objeto a ser olhado. A isto se chamaria talvez de narcisismo, mas eu chamaria de: Alegria de ser. Alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna: ah, então é verdade que eu não me imaginei, eu existo.

- Clarice Lispector

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Estado agudo de felicidade...

"... Já entrei contigo em comunicação tão forte que deixei de existir sendo. Tu tornas-te um eu. É tão difícil falar e dizer coisas que não podem ser ditas. É tão silencioso. Como traduzir o silêncio do encontro real entre nós dois? Dificílimo contar. Olhei pra você fixamente por instantes.
Tais momentos são meu segredo. Houve o que se chama de comunhão perfeita.
Eu chamo isto de estado agudo de felicidade."


Clarice Lispector

domingo, 24 de julho de 2011

O menino que carregava água na peneira...

Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino
que carregava água na peneira.
A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento e sair
correndo com ele para mostrar aos irmãos.
A mãe disse que era o mesmo que
catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.
O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino
gostava mais do vazio do que do cheio.
Falava que os vazios são maiores
e até infinitos.
Com o tempo aquele menino
que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira
Com o tempo descobriu que escrever seria
o mesmo que carregar água na peneira.
No escrever o menino viu
que era capaz de ser noviça, monge ou mendigo
ao mesmo tempo.
O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o vôo de um pássaro
botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou:
Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os
vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas
vão te amar por seus
despropósitos.


Manoel de Barros

sábado, 16 de julho de 2011

“Tempus Fugit"... “Carpe Diem!”

"Sentia que o relógio chamava para o seu tempo, que era o tempo de todos aqueles fantasmas, o tempo da vida que passou... Tenho saudades dele. Por sua tranqüila honestidade, repetindo sempre, incansável, "tempus fugit". Ainda comprarei um outro que diga a mesma coisa. Relógio que não se pareça com este meu, no meu pulso, que marca a hora sem dizer nada, que não tem histórias para contar. Meu relógio só me diz uma coisa: o quanto eu devo correr para não me atrasar... Mas o relógio não desiste. Continuará a nos chamar à sabedoria: "tempus fugit..."
Quem sabe que o tempo está fugindo descobre, subitamente, a beleza única do momento que nunca mais será..."


Rubem Alves.

"O tempo foge... Colha o dia!”

*"Tempus Fugit" quer dizer "o tempo foge". A vida é breve. "Carpe Diem" quer dizer "colha o dia".

sábado, 9 de julho de 2011

Para se roubar um coração...

Para se roubar um coração, é preciso que seja com muita habilidade, tem que ser vagarosamente, disfarçadamente, não se chega com ímpeto, não se alcança o coração de alguém com pressa. Tem que se aproximar com meias palavras, suavemente, apoderar-se dele aos poucos, com cuidado. Não se pode deixar que percebam que ele será roubado, na verdade, teremos que furtá-lo, docemente.
Conquistar um coração de verdade dá trabalho, requer paciência, é como se fosse tecer uma colcha de retalhos, aplicar uma renda em um vestido, tratar de um jardim, cuidar de uma criança. É necessário que seja com destreza, com vontade, com encanto, carinho e sinceridade.
Para se conquistar um coração definitivamente tem que ter garra e esperteza, mas não falo dessa esperteza que todos conhecem, falo da esperteza de sentimentos, daquela que existe guardada na alma em todos os momentos.
Quando se deseja realmente conquistar um coração, é preciso que antes já tenhamos conseguido conquistar o nosso, é preciso que ele já tenha sido explorado nos mínimos detalhes, que já se tenha conseguido conhecer cada cantinho, entender cada espaço preenchido e aceitar cada espaço vago. E então, quando finalmente esse coração for conquistado, quando tivermos nos apoderado dele, vai existir uma parte de alguém que seguirá conosco. Uma metade de alguém que será guiada por nós e o nosso coração passará a bater por conta desse outro coração.
Eles sofrerão altos e baixos sim, mas com certeza haverá instantes, milhares de instantes de alegria. Baterá descompassado muitas vezes e sabe por que? Faltará a metade dele que ainda não está junto de nós. Até que um dia, cansado de estar dividido ao meio, esse coração chamará a sua outra parte e alguém por vontade própria, sem que precisemos roubá-la ou furtá-la nos entregará a metade que faltava.
... E é assim que se rouba um coração, fácil não?
Pois é, nós só precisaremos roubar uma metade, a outra virá na nossa mão e ficará detectado um roubo então! E é só por isso que encontramos tantas pessoas pela vida a fora que dizem que nunca mais conseguiram amar alguém... É simples... É porque elas não possuem mais coração, eles foram roubados, arrancados do seu peito, e somente com um grande amor ela terá um novo coração, afinal de contas, corações são para serem divididos, e com certeza esse grande amor repartirá o dele com você.
Luís Fernando Veríssimo

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A vida é feita de uma mistura...

"Porque a vida é feita de uma mistura de alegrias
e tristezas. Sem as tristezas, as alegrias são máscaras vazias,
e sem as alegrias, as tristezas são abismos escuros.
É por isso que os olhos, lugar dos sorrisos,
são regados por uma fonte de lágrimas.
São as lágrimas que fazem florescer a alegria"

Rubem Alves

domingo, 3 de julho de 2011

Anacrônico...

É claro que somos as mesmas pessoas
Mas pare e perceba como o seu dia-a-dia mudou
Mudaram os horários, hábitos, lugares
Inclusive as pessoas ao redor
São outros rostos, outras vozes
Interagindo e modificando você
E aí surgem novos valores,
Vindos de outras vontades,
Outras situações
Em outras circunstâncias,
Entre uma e outra as vezes
Se vêem os mesmos defeitos,
Todas aquelas marcas
Do jeito de cada um
Outro ciclo em diferentes fases
Vivendo de outra forma,
Com outros interesses,
Outras ambições mais fortes,
Somadas com as anteriores
Mudança de prioridades,
Mudança de direção
Alguns caindo por terra,
Pra outros poderem crescer
Caem 1, 2, 3, caem 4,
A terra girando não se pode parar...


Pitty
Composição: Pitty / Graco