sábado, 3 de dezembro de 2011

Distraídos...

“Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta um pouco seca e se vê que, por admiração, se estava de boca entreaberta: eles respiravam de antemão o ar que estava à frente, e ter esta sede era a própria água deles. Andavam por ruas e ruas falando e rindo, falavam e riam para dar matéria peso à levíssima embriaguez que era a alegria da sede deles. Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam, e ao toque – a sede é a graça, mas as águas são uma beleza de escuras – e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando um pouco mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos!
Até que tudo se transformou em não. Tudo se transformou em não quando eles quiseram essa mesma alegria deles. Então a grande dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que, estava ali, no entanto. No entanto ele que estava ali. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso. Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome; porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca, e é preciso sair de casa para que a carta chegue, e quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.”

Clarice Lispector.

4 comentários:

  1. Ah este poeta das confusas palavras
    Cantador de todas as canções de tristeza
    Trovador vestido de arlequim trapeiro
    Fazendo vénias a uma imaginada realeza

    Que diz palavra sobre palavra
    Às vezes fica mudo com um olhar de dor
    Dos seus lábios escorrem sons sem sentido
    Porque…Às Vezes Há Palavras Que São Como Fazer Amor…


    Doce beijo

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  2. Vou, com toda a certeza, procurar andar muito mais distraído!
    A vida mata-nos mesmo aos pouquinhos!

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  3. Porque o desencontro também é uma arte, infelizmente, que por algumas épocas, dominamos.

    Beijos, querida Zélia. Ótima semana.

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  4. Estava distraída, ele chegou de um lugar improvável, e por esse motivo, permaneci distraída, mas o amor nos deu uma segunda chance, e ainda distraída, ele se achegou, ganhou espaço e se instalou.

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