sábado, 29 de outubro de 2011

Amar...

Pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar, solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amor o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte,
e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: o amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesmo de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 16 de outubro de 2011

Minha alma tem o peso da luz...

Minha alma tem o peso da luz.
Tem o peso da música.
Tem o peso da palavra nunca dita,
prestes quem sabe a ser dita.
Tem o peso de uma lembrança.
Tem o peso de uma saudade.
Tem o peso de um olhar.
Pesa como pesa uma ausência.
E a lágrima que não se chorou.
Tem o imaterial peso da solidão
no meio de outros.

Clarice Lispector.

sábado, 8 de outubro de 2011

Mas se eu gritasse uma só vez que fosse...

Mas se eu gritasse uma só vez que fosse,
talvez nunca mais pudesse parar.
Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência,
ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber;
mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável.
Se eu der o grito de alarme de estar viva,
em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível,
o ser excepcional é arrastado, o ser gritante.

Clarice Lispctor.

sábado, 1 de outubro de 2011

O amor nunca será cafona...

"Todos nós já tivemos a chance de amar.
Alguns, uma única vez, mas a maioria de nós teve
várias oportunidades, diversos amores.
Amores curtos, mas inesquecíveis.
Amores que terminaram, mas que geraram filhos.
Amores que naufragaram, mas que nos amadureceram.
Amores duradouros que ainda não acabaram.
Todos eles nos incentivando a continuar a tentar,
porque de amar ninguém desiste.
O desprestígio do amor talvez venha da pressa de viver,
da urgência dos dias, da necessidade de “aproveitarmos” cada instante: é como se o amor fosse um impedimento para o prazer. Francamente, o que se aproveita, de fato, quando não se sente coisa alguma? A resposta é: coisa alguma. Do que se conclui que o amor nunca será cafona, pois nada é mais revolucionário e poderoso do que o que a gente sente. Nada. Nem mesmo o que a gente pensa...”

Martha Medeiros