quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Quero que todos os dias...

"Quero que todos os dias do ano
todos os dias da vida
de meia em meia hora
de 5 em 5 minutos
me digas: Eu te amo.
Ouvindo-te dizer: Eu te amo,
creio, no momento, que sou amado.
No momento anterior
e no seguinte,
como sabê-lo?
Quero que me repitas até a exaustão
que me amas que me amas que me amas.
Do contrário evapora-se a amação
pois ao não dizer: Eu te amo,
desmentes, apagas
teu amor por mim.
Exijo de ti o perene comunicado.
Não exijo senão isto,
isto sempre, isto cada vez mais.
Quero ser amado por e em tua palavra
nem sei de outra maneira a não ser esta
de reconhecer o dom amoroso,
a perfeita maneira de saber-se amado:
amor na raiz da palavra
e na sua emissão,
amor
saltando da língua nacional,
amor
feito som
vibração espacial.
No momento em que não me dizes:
Eu te amo,
inexoravelmente sei
que deixaste de amar-me,
que nunca me amastes antes.
Se não me disseres urgente repetido
Eu te amoamoamoamoamo,
verdade fulminante que acabas de desentranhar,
eu me precipito no caos,
essa coleção de objetos de não-amor."

Carlos Drummond de Andrade
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sábado, 18 de fevereiro de 2012

Para o Carnaval...

Todo ano é a mesma coisa: você chega,
fica aqui três dias e aí vai embora.
Volta um ano depois, todo animadinho,
querendo me levar para a gandaia.
Olha, honestamente, cansei.
Seus amigos, bando de mascarados,
defendem você. Dizem que sempre foi assim,
festeiro, brincalhão, mas que no fundo é
supertradicional, de raízes cristãs,
e só quer tornar as pessoas mais felizes.

Para mim? Carnaval, desengano...
Você recorre à sua origem popular
e incentiva essas fantasias nas pessoas,
de que você é o máximo, é pura alegria,
mas não passa de entrudo mal-intencionado,
um folguedo, que nunca viu um dia de trabalho na vida.
Acha-se a coisa mais linda do mundo e é cafonice pura.
Vive desfilando pelas ruas, junto com os bêbados,
relembrando o passado. Chega a ser triste.

Carnaval, você tem um chefe gordo e bobalhão
que se acha um rei, mas não manda em nada.
Nunca teve um relacionamento duradouro.
Basta chegar perto de você e temos que agüentar
aquelas fotos de mulheres nuas, que são
o seu grande orgulho.
Você não tem vergonha, não?

Sei que as pessoas adoram você, Carnaval,
mas eu estou cansada dos seus excessos e
dessa sua existência improdutiva.
Seja menos repetitivo, proponha algo novo.
Desde que o conheço, você gosta das mesmas músicas.
Gosta de baile. Desculpa, mas estou pulando fora.

Será que essa sua alegria toda não é
para esconder alguma profunda tristeza?
Será que você canta para não chorar?
Tentei, várias vezes, abordar essas questões,
e você sempre mudou de assunto.
Ora, chega dessa loucura. Reconheça que você
se esconde atrás de uma dupla personalidade.

Cada vez mais e mais pessoas ficam incomodadas
com essa sua falsa euforia, fique sabendo.
Conheço várias que fogem, querendo distância
das suas brincadeiras. Você oprime todo mundo
com esse seu deslumbramento excessivo
diante das coisas, sabia?

Por exemplo, essa sua mania de camarote.
Onde os vips podem suar sem que isso pareça nojento.
Onde se pode falar torto sem que seja errado.
Todos vestidos de uniforme, senão não entram.
Todos doidos para passar a mão na bunda um do outro.
Essa é a sua idéia de curtir a vida?

Menos purpurina, Carnaval. Menos bundas,
menos dentes para fora. A vida é linda, mas a
“lindeza do lindo mais lindo que há no lindíssimo”
é um saco.
Um pouco de calma e autocrítica nunca fez mal a ninguém.
Tudo muda no mundo –
por que você insiste em continuar o mesmo?

A harmonia vem da evolução, não das alegorias.
Chegou a hora de rodar a baiana
para não atravessar na avenida.
Como será amanhã? Responda quem puder.

Fernanda Young

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Um céu numa flor silvestre...

Então você está confusa com seus sentimentos.
Ele apareceu tão de repente na sua vida,
com aquele brilho manso no olhar,
com aquela meiguice na voz,
sem pedir coisa alguma,
meio como um Pequeno Príncipe caído de um asteróide.
A princípio você nada percebeu de diferente
O susto veio quando você se lembrou
das palavras da raposa,
explicando ao Pequeno Príncipe o que era ficar cativo:
É assim. A princípio você senta lá e eu aqui.
Depois a gente vai ficando cada vez mais perto.
Os passos de todos os homens
me fazem entrar dentro da minha toca.
Mas os seus passos me fazem sair.
E, depois, é a alegria.
Começo a ficar alegre e a me preparar na segunda-feira,
sabendo que você só virá na sexta.

Rubem Alves
In:Um céu numa flor silvestre

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Ausência...

Eu deixarei que morra em mim o desejo
de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão
a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer
coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto
e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser
tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim
como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho
nesta terra amaldiçoada
que ficou sobre a minha carne
como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás
a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos
e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,
porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite
e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos
da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência
do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento,
do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente, a tua voz serenizada.


Vinícius de Moraes.