domingo, 27 de maio de 2012

Dentro de um abraço...

Onde é que você gostaria de estar agora,
nesse exato momento? (...)Meu palpite:
dentro de um abraço.
(...)O rosto contra o peito de quem te abraça,
as batidas do coração dele e as suas, o silêncio
que sempre se faz durante esse envolvimento físico:
nada há para se reivindicar ou agradecer,
dentro de um abraço voz humana nenhuma
se faz necessária, está tudo dito.
Que lugar no mundo é melhor para se estar?
Na frente de uma lareira com um livro estupendo,
em meio a um estádio lotado vendo seu time golear,
num almoço em família
onde todos estão se divertindo,
num final de tarde à beira-mar,
deitado num parque olhando para o céu,
na cama com a pessoa que você mais ama?
Difícil bater essa última alternativa,
mas onde começa o amor
senão dentro do primeiro abraço?
Alguns o consideram como algo sufocante,
querem logo se desvencilhar dele.
Até entendo que há momentos em que é preciso
estar fora de alcance, livre de qualquer tentáculo.
Esse desejo de se manter solto é legítimo.
Mas hoje me permita não endossar
manifestações de alforria.
Entrando na semana dos namorados recomendo
fazer reserva num local aconchegante
e naturalmente aquecido:
dentro de um abraço que te baste.

Martha Medeiros.

In: Feliz por nada. P.12.

domingo, 13 de maio de 2012

Biografia...

Escreverás meu nome com todas as letras
Com todas as datas, e não serei eu.
Repetirás o que me ouviste, o que leste de mim
E mostraras meu retrato, e nada disso serei eu
Dirás coisas imaginárias, invenções sutis
Engenhosas teorias, e continuarei ausente.
Somos uma difícil unidade
De muitos instantes mínimos, isso serei eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
Aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente
- Como me poderão encontrar? 
 Novos e antigos todos os dias,
Transparentes e opacos, segundo o giro da luz
- nós mesmos nos  procuramos. 
 E por entre as circunstâncias fluímos,
Leves e livres como a cascata pelas pedras.           
- Que metal nos poderia prender?

Cecília Meireles.

domingo, 6 de maio de 2012

Rosto com dois perfis...

“Já não procuro a palavra exata
que me pudesse explicar:
ando pelos contornos
onde todos os significados
são sutis, são mortais.
Não busco prender o momento
belo: quero vivê-lo sempre mais
com a intensidade que exige a vida,
com o desgarramento do salto
e da fulguração.
E me corto ao meio e me solto
de mim, duplo coração:
a que vive, a que narra,
a que se debate e a que voa
- na loucura que redime da lucidez”.

Lya Luft.