domingo, 27 de janeiro de 2013

Noções...

Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.
Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar,
e investiga o elemento que a atinge.
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas
que não se encontram.
Virei-me sobre a minha própria experiência,
e contemplei-a.
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.
Ó meu Deus, isto é minha alma: qualquer coisa
que flutua sobre este corpo efêmero e precário,
como o vento largo do oceano
sobre a areia passiva e inúmera...


Cecília Meireles.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Sentir...

Sentir tudo de todas as maneiras, Viver tudo de todos os lados, Ser a mesma coisa de todos os modos possíveis ao mesmo tempo, Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo. Eu quero ser sempre aquilo com quem simpatizo, Eu torno-me sempre, mais tarde ou mais cedo, Aquilo com quem simpatizo, seja uma pedra ou uma ânsia, Seja uma flor ou uma idéia abstrata, Seja uma multidão ou um modo de compreender Deus. E eu simpatizo com tudo, vivo de tudo em tudo.”

Álvaro de Campos.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Mudam-se os tempos...

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o Mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
que já coberto foi de neve fria,
e, enfim, converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
outra mudança faz de mor espanto,
que não se muda já como soía.

Luís de Camões.