domingo, 28 de abril de 2013

As Coisas Essenciais...

Leia este poema bem devagar, pois cada imagem merece a preguiça do olhar.

“No mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
E, no planeta, um jardim
e, no jardim, um canteiro:
no canteiro, uma violeta
e, sobre ela, o dia inteiro
entre o planeta e o sem-fim
a asa de uma borboleta”.

É pequeno, mas diz tudo. Nada lhe falta, Uni-verso. Nenhuma palavra lhe poderia ser acrescentada. Nenhuma palavra lhe poderia ser tirada. Assim se faz um poema, com palavras essenciais. O poema diz o essencial.
O essencial é aquilo que se nos fosse roubado, morreríamos. O que não pode ser esquecido. Substância do nosso corpo e da nossa alma.(...)
O que é essencial? Os filósofos antigos reduziam o essencial a quatro elementos fundamentais: a água, a terra, o ar e o fogo. Concordo com eles. Pensavam estar fazendo cosmologia, mas estavam fazendo poesia. Sabiam dos segredos da alma. Pois é disto que somos feitos. Posso imaginar um mundo sem que eu sinta por isto, nenhuma tristeza especial. Mas não posso pensar um mundo sem a chuva que caí, sem regatos cristalinos, sem o mar misterioso… Não posso imaginar um mundo sem o calor do sol que agrada a pele e colore o poente, sem o fogo que ilumina e aquece… Não posso imaginar um mundo sem o vento onde navegam as nuvens, os pássaros e o cheiro das magnólias… Não posso imaginar um mundo sem a terra prenhe de vida onde as plantas mergulham suas raízes… São estes os amantes com que a vida faz amor e engravida, de onde brota toda a exuberância e mistério deste mundo, nosso lar. Não preciso de deuses mais belos que estes.
Ouço, pelo mundo inteiro, em meio ao barulho das dez mil coisas que fazem a nossa loucura, as vozes-poema daqueles que percebem o essencial. Elas dizem uma coisa somente: “Este mundo maravilhoso precisa ser preservado”. Mas ouço também a voz sombria dos que perguntam: “Conseguiremos?”.

Rubem Alves.

In: Palavras para desatar nós. p. 54

sábado, 20 de abril de 2013

A maior riqueza do homem...

A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um sujeito que abre portas,
que puxa válvulas, que olha o relógio,
que compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora, que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.

Manoel de Barros.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Dever de Sonhar...

Eu tenho uma espécie de dever,
dever de sonhar, de sonhar sempre,
pois sendo mais do que um espetáculo de mim mesmo,
eu tenho que ter o melhor espetáculo que posso.
E, assim, me construo a ouro e sedas, em salas
supostas, invento palco, cenário para viver o meu sonho
entre luzes brandas e músicas invisíveis.

Fernando Pessoa