domingo, 9 de março de 2014

A lucidez perigosa...

Estou sentindo uma clareza tão grande 
que me anula como pessoa atual e comum:  
é uma lucidez vazia, como explicar?  
Assim como um cálculo matemático perfeito  
do qual, no entanto, não se precise.
Estou por assim dizer   
vendo claramente o vazio.  
E nem entendo aquilo que entendo:  
pois estou infinitamente maior que eu mesma,  
e não me alcanço.
Além do que:  que faço dessa lucidez?  
Sei também que esta minha lucidez  
pode-se tornar o inferno humano 
– já me aconteceu antes.
– em termos de nossa diária 
e permanente acomodação 
resignada à irrealidade – 
essa clareza de realidade 
é um risco.
apagai, pois, minha flama, Deus,
porque ela não me serve para viver os dias
Ajudai-me a de novo consistir
dos modos possíveis.
Eu consisto,
eu consisto,
amém.
Clarice Lispector.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Um poema pleno. Cheio de vida e luz. Amei demais, amiga. Aplausos pela postagem!

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