quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Peço Silêncio...

Agora, me deixem tranquilo.

Agora, se acostumem sem mim.

Eu vou fechar os olhos.

E só quero cinco coisas,

cinco fontes preferidas.

Uma é o amor sem fim.

O segundo é ver o outono.

Não posso ser sem que as folhas

vão e voltem a terra.

O terceiro é o grave inverno,

a chuva que amei, a carícia

do fogo no frio silvestre.

Em quarto lugar, o verão

redondo como uma melancia.

A quinta coisa são teus olhos,

Matilde minha, bem-amada,

não quero dormir sem teus olhos,

não quero ser sem que me olhes:

eu mudo a primavera 

porque tu me segues olhando.

Amigos, isso é o que quero.

É quase nada e quase tudo.

Agora, se querem podem ir.

Vivi tanto que um dia

terão que esquecer-me por força,

apagando-me do quadro:

Meu coração foi interminável.

Mas, por que peço silêncio

não creiam que vou morrer-me:

me passa todo o contrário:

acontece que vou viver-me.

Acontece que sou e que sigo.

Não será, pois, só que aqui dentro

de mim cresceram cereais,

primeiro os grãos que rompem

a terra para ver a luz,

mas a mãe-terra é escura:

e dentro de mim sou escuro:

sou como um poço em cujas águas

a noite deixa suas estrelas

e segue só pelo campo.

Se trata de que tanto vivi

que quero viver outro tanto.

Nunca me senti tão sonoro,

nunca tive tantos beijos.

Agora, como sempre, é cedo.

Voa a luz com suas abelhas.

Deixem-me só com o dia.

Peço permissão para nascer.


Pablo Neruda.